Os rejeitos de mineração da barragem de Brumadinho chegaram ao Rio São Francisco. A constatação é dos pesquisadores do Centro Integrado de Estudos Georreferenciados para a Pesquisa Social (CIEG), da Fundação Joaquim Nabuco. Eles realizaram trabalho de campo na área, quando coletaram amostras nos leitos dos rios São Francisco e Paroepeba, na represa de Três Marias, que, somadas às imagens de satélite, confirmam a contaminação.

A poluição das águas por metais pesados e as soluções para o problema começaram a ser debatidas hoje (28) e seguem até amanhã no Seminário Pós-Brumadinho, que acontece, no Cinema do Museu, campus Casa Forte da Fundaj. O evento foi aberto pelo presidente da Fundaj, Alfredo Bertini, pelo diretor de Pesquisas Sociais, Carlos Osório, e o supervisor do CIEG, Neison Freire. "Há soluções que podem minimizar os transtornos e as consequências promovidas pela tragédia de Brumadinho. Neste contexto, a criação do seminário é uma iniciativa importante da instituição. Vamos apresentar o problema da contaminação em si chegando ao rio, mas também mostrar que tem como minimizar o transtorno, seja no impacto territorial ou socioeconômico", ressaltou Bertini.

A terceira nota técnica de pesquisa emergencial "Monitoramento Geoespacial dos Riscos de Contaminação do Rio São Francisco Pós-Brumadinho" apresentada por Neison Freire revela que os rejeitos de mineração da barragem de Brumadinho chegaram ao Rio São Francisco. “Desde o dia 12 de março a pluma de contaminação chegou ao rio São Francisco, em Três Marias, Minas Gerais. Mapeamos a área com satélite e vimos uma água argilosa, um possível marcador de metais pesados. Essa água já pode estar sendo usada para consumo humano em alguns municípios”, atesta o pesquisador da Fundaj Neison Freire, pós-doutorado em risco de desastres naturais.

Quando Freire e Beatriz Mesquita, pesquisadora da Fundaj especialista em pesca artesanal, estiveram no local em fevereiro passado, o reservatório de Três Marias estava com 36% de sua capacidade, situação que ajudou a diluir os rejeitos e segurar um pouco mais sua chegada ao São Francisco. No dia 8 deste mês, as imagens dos satélites norte-americano LandSAT 8 e do frânces Sentinel 2 mostravam que os rejeitos estavam a apenas 23 km da margem direita da Represa Três Marias.

Com base na velocidade de avanço da contaminação em 7,14 km/dia, os pesquisadores constatam que a contaminação chegou à represa no dia 12, diluindo-se a partir daí na massa d’água que se mistura com o leito principal do Rio São Francisco. "Os estudos que realizamos mostra com clareza o mapeamento dos municípios atingidos, além de identificar os aspectos causados pelo rompimento da barragem", disse Dulce Maria, professora da Universidade Federal de Ouro Preto que participou da mesa "Repercussões Territoriais do Desastre Tecno-Industrial". Dirigida pela coordenadora do Centro de Estudos em Dinâmicas Sociais e Territoriais (Cedist) da Fundaj, Edilene Pinto, contou também com a participação do epidemiologista do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz/ICICT), Diego Xavier. Ele apontou como os desastres dessa natureza podem impactar e prejudicar a saúde pública em toda a região.

Duarante a tarde, a mesa redonda Águas, Usos e Riscos foi coordenada pelo professor do departamento de Engenharia de Pesca da UFRPE, William Severi. O primeiro a discursar foi o vice-presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Caatinga, Afrânio Farias de Menezes. Ele comentou sobre a metodologia e os resultados dos estudos realizados pelos pesquisadores do CIEG. Sobre a contaminação, Afrânio sugeriu o monitoramento bimensal das águas pelo período mínimo de três anos e a retirada de todo sedimento possível.

A palestrante seguinte foi a doutora em pesca artesanal, Beatriz Mesquita. Ela trouxe para o debate questões da pesca artesanal na bacia do São Francisco: “Quando estive lá, tive a oportunidade de ver como a região é bonita, rica e o povo vive dos recursos naturais em sua plenitude.” Ela levantou também a necessidades da sociedade, de forma geral, investir para diminuir os impactos socioambientais: “São questionamentos que temos que correr atrás, sobre buscar respostas a respeito desse desastre."

Em seguida, o pesquisador João Suassuna desmistificou que a crise hídrica no Rio São Francisco seja exclusivamente culpa do período de seca entre 2012 e 2017. Segundo ele, atividades como o uso exacerbado das águas é um fator a ser levado em consideração. “É imperioso tratar isso de forma sistêmica, pensando globalmente e agindo localmente, garantindo a sociedade uma solução definitiva para o abastecimento seguro das populações.”

Por fim, o pesquisador Marcelo Afora explicou a hidrologia do São Francisco desde sua descoberta em 1501 até os dias de hoje. Ele tocou em pontos como a mineração, contaminação das águas, irrigação, o uso da água para abastecimento e a transposição. “O São Francisco hoje é um sistema hidráulico. Você não tem mais a sazonalidade e as características de um rio natural.”