Moradores e lideranças de cidades às margens do Lago de Três Marias, na Região Central do Estado, repudiaram com veemência a proposta da Cemig de instalação de placas solares fotovoltaicas no espelho d’água da represa. Eles temem impacto sobre as diversas atividades desenvolvidas no local e reivindicam que a empresa instale as placas nas terras de sua propriedade, próximas à usina hidrelétrica.

O tema foi discutido na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta segunda-feira (30/10/23), em audiência da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Representantes da Cemig negaram que o projeto vá gerar impactos e afirmaram que será garantido o uso múltiplo das águas, sob protestos dos participantes. Nova audiência deverá ser realizada em Três Marias.

Conforme projeto apresentado pela Cemig, a usina flutuante ocupará 55 hectares dos 106 mil ha do reservatório, gerando 78 megawatts. A área escolhida é logo em frente à usina da companhia, para otimizar a conexão. O diretor de Geração e Transmissão da Cemig, Thadeu Carneiro da Silva, descartou a implantação em terra, pois há limite legais que não existem para modalidade flutuante. Segundo ele, as placas estarão a dois quilômetros da prainha.

A empresa ainda listou os benefícios do projeto, como a produção de energia limpa, a geração de empregos e arrecadação para o município. Também o representante da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Pedro de Sena, enfatizou a importância da diversificação da matriz energética, como forma de se evitar o risco de racionamento ligado à seca. Ele ainda listou vários países que já têm usinas flutuantes.

Moradores e lideranças, que foram ouvidos antes da Cemig, deixaram claro que não querem o projeto. Muitos argumentaram que a região levou um tempo até se acostumar com o lago, depois de toda a inundação e a expulsão de pequenos produtores à época de sua construção. A usina, segundo eles, seria um novo trauma. “Quando falta informação, a população já está atingida”, destacou Fernanda de Oliveira Portes, do Movimento dos Atingidos por Barragens.

Projeto da Cemig prevê instalação do sistema no espelho d'água da represa de Três Marias. Em audiência da Comissão de Meio Ambiente, foram apontados prejuízos para o turismo e a pesca na região.

Empreendedores temem fuga dos turistas

Representante do setor de Comércio e Turismo de Três Marias e ex-prefeito da cidade, Vicente de Paulo Resende destacou que o turismo na região envolve também a beleza cênica, que será prejudicada pelas placas flutuantes. “A usina sepulta o projeto turístico de Três Marias”, definiu. Esse projeto conta, por exemplo, com dois mil pescadores e centenas de empreendimentos, conforme enfatizou Cláudio Lúcio Pereira, radialista e morador de Três Marias.

Já o prefeito de Três Marias, Adair Divino da Siva, citou preocupação com o comportamento das placas em período de seca ou durante tempestades. A possibilidade de privatização da Cemig ainda foi mencionada como um possível complicador. Também o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) afirmou que a instalação de placas no espelho d’água pode ser estratégia para prejudicar a imagem da companhia e facilitar sua privatização.

O coordenador da Câmara Consultiva Regional do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Altino Rodrigues Neto, ampliou a discussão e alertou para impactos no Velho Chico. “O rio não serve só a Três Marias. Ele serve a 20 milhões de pessoas. E a usina de Três Marias é a primeira de oito no rio”, afirmou. Para ele, é preciso que a Cemig dê garantias quanto aos impactos e à manutenção do uso múltiplo das águas.

Parlamentares apresentam projeto para vetar usina

Entre os encaminhamentos da audiência, a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou o debate, e o deputado Professor Cleiton (PV) protocolaram projeto de lei proibindo a instalação das placas fotovoltaicas flutuantes no lago de Três Marias. “A população não quer a obra. A Cemig vai impô-la?”, indagou a deputada, que fez ainda vários outros questionamentos à Cemig, inclusive sobre a falta de diálogo com os moradores da região.

Professor Cleiton também fez pontuações quanto à redução do nível de evaporação e aos impactos sobre a vida aquática. Para ele, o projeto é mais um fruto do “lobbysmo” que impera na Cemig. O deputado ainda citou projeto em parceria com a deputada Lohanna (PV) que busca proteger todos os lagos com mais de seis hectares em Minas. Entre as proibições, está, justamente, a de instalação de usinas flutuantes.

Já o deputado Tito Torres (PSD), presidente da comissão, reconheceu a disposição da Cemig em participar dos debates, mas também cobrou da companhia um melhor atendimento à população, após vários moradores apontarem falhas no atendimento.

Apoio

Todos os parlamentares presentes e vários outros participantes da audiência manifestaram apoio à deputada Beatriz Cerqueira, após desabafo da parlamentar nas redes sociais sobre as ameaças que vem sofrendo e as obstruções ao seu trabalho político.