Dona Nanci era tia de meu amigo Marcão. Uma senhora na casa dos sessenta anos, solteirona e beata. Era responsável por puxar o “Hosana nas Alturas”, a certa altura da missa, na Igreja Matriz. 

Possuía um sobrado no centro, ao lado do ribeirão que cortava a cidade. Na parte de baixo, ela alugava para um mecânico de motos, e na parte de cima, ela morava. 

A mãe do Marcão sempre visitava a dona Nanci, e por algumas oportunidades, acompanhei o amigo até a casa da tia para buscar as chaves de sua casa com sua mãe, depois que saíamos da escola. 

Para chegar na parte de cima do sobrado, subíamos alguns degraus do lado de fora, entre a parede da oficina de motos e um muro. Na parte de cima, dava para ver o ribeirão passar abaixo, bem na frente da porta da sala da dona Nanci. 

Entretanto, as águas minguadas do ribeirão, que outrora foi bastante caudaloso, mas, devido à estiagem parecia um córrego quase parado, não era o que me chamava a atenção quando subia até a casa de dona Nanci, e sim, uma gaiola bem ao lado da porta, onde um canarinho silencioso, pulava de um poleiro ao outro, quase em câmera lenta.  

Eu conseguia sentir a angustia do canarinho, talvez, desejando desesperadamente pela liberdade. Aquilo ficou em minha cabeça. Até que certa vez comentei com o Marcão. 

— Qualquer dia desses, quando sua tia não estiver em casa, vou subir aquelas escadas e vou soltar aquele passarinho! 

O Marcão dava risada. Não acreditava que eu estava incomodado com aquilo. 

Num certo domingo de manhã, o Marcão passou em casa e me convidou para ir até o centro, na casa de sua tia Nanci. Como ela estava na missa das dez horas, sua mãe pediu para deixar uma conta de luz embaixo da porta, que a tia iria pagar na segunda-feira. 

Ao chegarmos no sobrado, pude observar a gaiola pendurada ao lado da porta e decidi agir pela liberdade do passarinho. 

Após o Marcão enfiar a conta debaixo da porta, abri a gaiola e peguei o canarinho. 

— Tá louco cara! Coloca o passarinho da tia Nanci de volta na gaiola! 

— Não! Passarinho foi feito para viver livre e voar. Olha só a carinha de triste desse carinha aqui. 

— Minha tia tem esse passarinho há tanto tempo. Se ela descobrir que a gente soltou, estamos ferrados! 

— Ninguém vai saber. 

Com o canarinho nas mãos, virei para o lado do ribeirão e com um grande suspiro, joguei o passarinho para o alto, para que batesse suas asas e voasse para bem longe daquela gaiola, rumo a sua liberdade! 

O passarinho deu duas piruetas no ar e depois caiu como uma pedra, direto nas águas escuras do ribeirão. 

Nunca mais voltei na casa de dona Nanci.